Salmos de Lamento

Depois de nos últimos domingos termos estudado os vários livros que compõem o saltério, iremos nestas próximas semanas, até ao final de Julho, analisar alguns tipos de salmos, ver muito brevemente algumas características da poesia hebraica em geral e dos salmos em particular e terminaremos com uma breve menção ao uso dos salmos no Novo Testamento.

Algo importante para a interpretação e para a teologia do Saltério é um entendimento das suas formas literárias. Tradicionalmente era reconhecido que os salmos destinavam-se a várias circunstâncias espirituais.
Lutero, no seu Prefácio ao Saltério comentou: “(cada crente)… quaisquer que sejam as suas circunstâncias, encontra nos salmos palavras que são apropriadas para a situação em que se encontra e que respondem às suas necessidades tão adequadamente como se tivessem sido compostas exclusivamente para seu benefício…” No início do século XX, o alemão H. Gunkel, com base nos seus estudos comparativos, ajudou a uma melhor compreensão do Saltério ao distinguir cinco diferentes tipos de salmos (lamento ou petição do indivíduo, lamento ou petição da comunidade, acção de graças, louvor e salmos reais -relativos ao rei-). Com o passar do tempo a sua tese original foi sendo avaliada e modificada por outros, levando, em tempos mais recentes, a que muitos estudiosos vejam sobretudo a existência de três tipos básicos de salmos: 1.Petições ou lamentos, 2. Acções de Graças e 3. Louvores. O livro de Crónicas (I Cro 16:4) refere que David apontou alguns levitas para fazer petições, dar graças e para louvar o Senhor o que é muito interessante pela coincidência com o que acima foi dito. A sequência do cronista parece ser intencional: a petição conduz à acção de graças e esta ao louvor.

Por falta de tempo e espaço para nos debruçarmos sobre todos os tipos de salmos, concentraremos a nossa atenção nos salmos de lamento ou petição, uma vez que constituem uma importante parte do Saltério (cerca de um terço), estão presentes em todos os livros do mesmo, e também por acharmos que talvez sejam menos conhecidos para muitos dada a prevalência dos salmos de louvor e acção de graças na liturgia moderna.

Usando o salmo 54 como um exemplo ilustrativo podemos dizer que os motivos mais comuns dos salmos de petição ou lamento são normalmente cinco: invocação de Deus, (ex. Salmo 54:1-2), um lamento e /ou queixa que permite ao salmista ventilar as suas emoções e procurar levar Deus a agir (vs 3), uma expressão de confiança (vs 4), uma petição (vs 5) e um louvor expresso em termos gerais (vs 6-8).
Convém ainda referir que uma forma distinta de salmos de petição ou lamento é o salmo penitencial que visa lidar com o pecado e procurar o perdão de Deus, alguns exemplos deste tipo de salmos são os salmos 6, 38, 51, 102, 130, 143…

O salmo de lamento começa quase sempre com uma invocação dirigida a Deus, (por exemplo: Ó Senhor), como podemos ver nos salmos 3:1, 5:1, 6:1. Ao voltar-se para Deus em desespero o salmista mostra a sua completa dependência d`Ele. Voltar-se para outro lado em busca de salvação seria para ele o equivalente a idolatria. Dirigir as suas petições para Deus está conforme com outros salmos que enfatizam a futilidade de depender de forças meramente humanas.
Nos motivos de lamento o salmista fala normalmente de doença – embora por vezes metaforicamente – de falsas acusações a ele dirigidas, de perseguições, de crises militares, de secas e desastres naturais, etc.
Nas suas queixas o salmista foca-se muitas vezes na sua alienação de Deus, nos inimigos muito poderosos que causam ou exploram a sua aflição e na forma como ele próprio já não consegue viver mais nessa situação. Muitas vezes, expressa o seu medo da morte, enquanto que outras vezes o que lhe parece causar maior apreensão é a possibilidade da fidelidade de Deus à aliança com David poder estar em causa e não necessariamente a sua situação pessoal.
Para a semana teremos oportunidade de ver os restantes motivos, começando com o motivo de confiança que geralmente introduz um ponto de viragem nos salmos de lamento.

Por hoje deixamos-vos com uma oração inspirada num salmo de lamento, o salmo 3, que permite também ver algumas destes motivos expressos na prática de um salmo orado.

Salmo 3

1 Senhor, como se têm multiplicado os meus adversários! Muitos se levantam contra mim.
2 Muitos são os que dizem de mim: Não há socorro para ele em Deus.

Senhor, quando olho à minha volta parece que tudo está mal, que tudo neste mundo se opõe à Tua vontade, que Tu desejas que se realize aqui como no céu. Parece que as dificuldades se multiplicam e há mais batalhas do que aquelas que conseguimos enfrentar. Há até quem nos veja passar por estas tribulações e questione a Tua bondade para connosco.

3 Mas tu, Senhor, és um escudo ao redor de mim, a minha glória, e aquele que exalta a minha cabeça.
4 Com a minha voz clamo ao Senhor, e ele do seu santo monte me responde.

Sim, Bom Pai, Tu és Aquele que nos protege. Como disseste ao Teu povo (Cron 20:15): “Não tenham medo,… esta batalha não é vossa, mas de Deus.”
No meio das minhas aflições, Tu não apenas me tens protegido e guardado, mas me tens respondido e levantado. Não são as minhas forças, mas sim o Teu poder nas minhas fraquezas. Eu me glorio em Ti, Senhor. Eu Te agradeço porque Tu me escutas e me livras do Mal.

5 Eu me deito e durmo; acordo, pois o Senhor me sustenta.
6 Não tenho medo dos dez milhares de pessoas que se puseram contra mim ao meu redor.

Ó Deus, durmo tranquila, não porque os meus adversários foram eliminados ou porque tudo está bem, mas porque confio em Ti. Sei que permaneces comigo. Sei que me sustentas. E sei também que, a meio às minhas lutas e tribulações, o Teu Espírito me vai moldando mais à imagem do Teu Filho, Jesus.
Sim, sou profundamente grata por Jesus, que embora inocente, sem pecado, sofreu o castigo reservado para mim…

7 Levanta-te, Senhor! salva-me, Deus meu! pois tu feres no queixo todos os meus inimigos; quebras os dentes aos ímpios.
8 A salvação vem do Senhor; sobre o teu povo seja a tua bênção.

Senhor, louvo-Te porque Tu levantaste o Teu Filho do sepulcro. Tu o tiraste das trevas da morte e o ergueste triunfalmente para a luz da vida. E como Ele, também nós ressuscitaremos.
Ergue a minha cabeça para que proclame a esperança que há em Ti!
Tu és a minha salvação, Senhor! Em Ti há socorro e libertação.
“Eu me deito e durmo; acordo porque Tu, Senhor, me sustentas!!

Amém.

José e Marta Pego e Pinto

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