Pesca onde Ele mandar

As palavras que correspondem aos versos 30 e 31 do capítulo 20 de João parecem ser a conclusão deste Evangelho. O autor declara com toda a frontalidade que não escreveu uma biografia de Jesus. A sua motivação não foi dar informações sobre a vida dum homem singular mas, sim, apelar à crença de que Ele é o Messias prometido, Filho de Deus e salvador do mundo, como a sua mensagem e os seus feitos testemunham.

Passaram mil e novecentos anos. Não temos uma imagem real de João mas, quanto a este seu desejo, sabemos e experimentamos o quanto se torna real sempre que alguém lê este livro de mente e coração abertos. O Evangelho de João muda de facto a nossa relação com Jesus. O poder da Palavra!

Mas, surpreendentemente, o texto não acaba aqui. Naquilo que muitos consideram um apêndice ou um pós-escrito, temos mais um relato de um encontro de Jesus ressurrecto com os seus discípulos. Estes homens estavam agora na Galileia (“Mas depois da minha ressurreição irei adiante de vós para a Galileia” Mc 14:28) e, quiçá por se sentirem desorientados quanto ao futuro – é certo que Jesus se tinha manifestado a eles mas já não permanecia no seu meio como antes – voltaram, por sugestão do sempre liderante Pedro, à pesca. Como era usual, saíram para o lago de noite e até ao clarear do dia não conseguiram apanhar nenhum peixe. Então, alguém que estava postado à borda da água interpelou-os e disse-lhes: “Lançai as redes à direita do barco e achareis.” E eles acharam muito peixe. João, talvez por lhe ocorrer à memória uma pesca milagrosa que Jesus lhes havia proporcionado antes (Lc 5:4-11), intuiu que aquele homem era o Senhor e Pedro, confiante nessa intuição, lançou-se à água para O alcançar sem demora – João, o primeiro a entender; Pedro, o primeiro a agir. E depois da pesca frutífera, uma refeição. O sustento, o cuidado.

O texto não apresenta este episódio como um milagre. De facto, há descrições de cenas de pesca no mar da Galileia que falam de homens na água a serem orientados por companheiros na orla quanto ao local onde passam os cardumes.

Porquê, então, este relato? Percebe-se que é mais uma ênfase na afirmação da realidade da ressurreição. Ao contrário do dito por correntes que cedo se inflitraram na Igreja primitiva, Jesus pós crucificação não era uma visão ou uma alucinação, não era um fantasma. Era uma pessoa que foi tocado, que ajudou, que partilhou refeições.

Mas, como é peculiar deste Evangelho, há um significado mais profundo: o de que Jesus chamou os seus discípulos para serem pescadores e que a pesca seria sempre abundante se seguissem as suas instruções e que as redes nunca sucumbiriam ao peso dessa abundância.

A lição também é para nós, obviamente: pesca onde Ele te mandar. A Sua igreja tem espaço para todos.

Leni Alves

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