Quando os homens criam histórias trágicas investem demoradamente na descrição dos momentos mais terríveis das suas narrativas. Surpreendentemente, ou não, os Evangelhos relatam a paixão de Jesus com extrema contenção. O texto de João, em especial, não se detém em pormenores sobre as horas de agonia física. Ainda assim, é perturbador. Estamos com Jesus desde o capítulo 1, tornámo-nos próximos Dele, fomos tocados pelas suas palavras e pela sua vida, vimos a sua bondade e a sua justiça e agora sabemo-lo pendurado numa cruz a sofrer “o mais cruel e sórdido dos castigos”, como Cícero disse a respeito da crucificação.
Muitas vítimas desta horrível condenação enlouqueciam antes que a morte sobreviesse. O escrito de João atesta que Jesus, porém, morreu lúcido e consciente de que a sua morte era o cumprimento de um plano maior, desenhado fora do mundo em favor do mundo. “Está consumado” não foi um lamento de desistência ou de derrota mas uma expressão de vitória: Fiz o que tinha que fazer”. “Cumpri a minha missão, posso voltar aos braços do Pai”.
Mas porquê assim? Porquê a cruz?
A cruz é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, disse Paulo. Hoje continua a ser loucura para os homens. Em boa verdade é mesmo uma loucura porque um Deus que se mata para resgatar criaturas que escolhem existir sem Ele é algo que está para além de tudo o que podemos entender e esperar.
Mas aconteceu. E a testemunha ocular diz: eu vi. E aconteceram coisas que afinal estavam preditas há muito tempo. E Jesus morreu de facto (a lança trespassou o seu corpo sem vida) para atrair todos a si.
É duro ver Jesus a agonizar na cruz. Mas não podemos esquecer. Foram os romanos que o mataram? Os líderes judeus? A multidão alienada? Nós? Eu?
Não, foi Deus que decidiu morrer para que a sua justiça amorosa – ou o seu amor justo- nos resgatasse da nossa loucura e ofensa de querermos existir fora Dele.
Um Deus que passa nas nossas vidas e salva. Páscoa.
Leni Alves